ENTRE HAVANA E
CURITIBA
O turista chega a
Havana. Dois dias depois seria o Natal. O ano 1989. Havia uma tempestade
político-social no leste europeu. Há um
mês caíra o Muro de Berlim e os alemães do leste e oeste encontravam-se. A onda
libertária varria os chamados “países satélites”. O colosso soviético estava
ameaçado. O turista ainda acreditava que em Cuba, apesar do inicio sangrento da
revolução, da dureza do regime, alguns traços igualitários do socialismo
poderiam ser preservados, até porque não havia, como ele constatara dez anos
antes na Alemanha Oriental, na Tcheco-Eslováquia, na Polônia, a presença
ostensiva de uma magnitude do Estado opressor e onipresente. Contrastando com a
frieza taciturna de alemães do leste, de polacos e tchecoeslovacos, o povo
cubano era tropicalmente diverso e alegremente “salseiro”. As crianças bem
fardadas e alimentadas tinham um aspecto saudável, não se enxergava a
degradação da miséria em nenhum subúrbio da capital. Na manhã do Natal o
turista vai assistir Missa na Catedral de Havana. A Missa do Galo era matutina.
Na imponente igreja havia umas duzentas pessoas, quase todas idosas, mas, por
perto não se notava sinal de repressão. O turista viu naquilo um bom sintoma.
Antes, na Tcheco-Eslováquia, tentara visitar a igreja onde estava o Menino
Jesus de Praga e a encontrou fechada. Descobriu o pároco, um francês que morava
ao lado, e quase implorou para que ele abrisse
a igreja. Ele o fez constrangido, explicando que o Estado determinava
com rigor o dia e a hora para as práticas religiosas.
No dia seguinte o
turista tomou a estrada, viajando num automóvel brasileiro com a mulher, para
percorrer o interior da ilha. Tanto ele como ela, na juventude, militantes de
esquerda e ainda mantendo convicções essenciais sobre justiça social e a
liberdade, tentavam buscar desculpas para o regime cubano.
No começo da estrada
veio rápida a decepção. Um imenso outdoor exibia o apelo degradante: “Sea los ojos e los oídos de la revolucíon”.
“Seja os Olhos e os
Ouvidos da Revolução” a frase iníqua, o estímulo à invasão da privacidade, da
liberdade, da dignidade alheias, para descobrir dissidências, idéias contrárias
ao regime, simples atitudes que dessem motivo à delação sórdida. E isso era
transformado em tarefa nobre pelo Estado.
O delator,
certamente seria coberto de homenagens, se transformaria em “herói da Pátria”, o
delatado iria acomodar os ossos na pedra fria do cárcere. O turista pensou: Que
pátria é esta que transforma abominação em virtude? Que regime é este que faz
da felonia covarde um ato meritório?
Coisa semelhante ele
já vivera no Brasil, quando a chamada Revolução Redentora de Março, estimulou e
deu crédito amplo aos “dedos-duros”, aqueles que se prestavam para a ignomínia
da delação, sempre recompensada.
Voltou triste a
Havana para ouvir, numa rádio estrangeira que sofria interferências
prejudicando a transmissão, a notícia de que na Romênia o ditador Ceausescu a
sua mulher e filhos haviam sido fuzilados pela turba raivosa que invadira o seu
palácio, e lá encontrara banheiras de ouro maciço usadas pelo casal. Em Cuba
toda a mídia estatal silenciava sobre o que acontecia no leste europeu.
O turista tornou-se
um velho um tanto cético, todavia, ainda apegado a valores sem os quais ele
considera que a própria vida se deteriora, e perde sentido. Por isso, ouviu com
nojo e repugnância a noticia de que as delações de um indivíduo acanalhado, o
ex-senador Sérgio Machado, posto na PETROBRAS para cumprir tarefas escusas,
livrou-se da cadeia usando do expediente abjeto de gravar conversas com amigos,
os quais procurava para conversar, e depois levou as gravações aos integrantes
da Lava Jato. Ao turista que se decepcionou com Cuba, e agora, já velho, também
anda decepcionado com tantas coisas, o acolhimento de canalhices não parece ser
o caminho correto para que se faça a Justiça que todos os brasileiros esperam.
Com a palavra o
Supremo Tribunal Federal.
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