OS FASCISMOS QUE NOS ESPREITAM ( 2 )
Enquanto o projeto de regulamentação do aborto dorme no esquecimento, ou na ocultação a que
o condenou o deputado presidente da Câmara Federal, a sociedade brasileira
perde a oportunidade para que seja travado um debate livre e
despreconceituoso sôbre um tema que é
relevante. Nada mais relevante do que aquilo que diz respeito à vida. E são
milhares de mulheres, todas, quase sempre pobres, que se submetem aos
charlatães carniceiros fazendo abortos
clandestinos, enquanto quem tem dinheiro aborta em clinicas de alta capacitação
técnica e baixa categoria ética. Tudo isso porque o aborto é criminalizado, e
assim, os que o fazem tendo para isso competência, exigem muito para fazê-lo,
enquanto os que o fazem sem nenhuma competência cobram menos, mas deixam atrás das suas práticas arriscadas um rastro de letalidades.
Há, sem duvidas, concepções religiosas, convicções filosóficas, sentimentos
humanistas em jogo ou em confronto, exatamente por isso, deve o deputado Eduardo Cunha deixar de lado a sua renitência
obscurantista, fascista mesmo, e deixar que a matéria seja livremente debatida
pelos parlamentares. Uma gaveta pode trancar um projeto, mas não fecha a
capacidade crítica da sociedade, não impede a liberdade de opinião, embora os
fascistas no seu auge, em Roma, Berlim, Madrid, Lisboa ou até no Rio de Janeiro,
tenham imaginado que pela repressão poderiam unificar o pensamento,
estandardizar o comportamento da enorme boiada humana. Como se sabe erraram. E
erraram tragicamente, porque semearam a morte e a destruição.
O fascismo não é estupidez somente da direita, a esquerda
também se fascistiza algumas vezes. A pior delas foi quando Hitler e Stalin se
deram as mãos e fizeram o pacto sinistro pelo qual dividiram entre si a
Polônia, e os alemães partiram para a invasão da França , seguros, por estarem
combatendo numa única frente. Pode ter sido, diziam depois os Partidos Comunistas,
uma genial estratégia de Stalin para ganhar tempo e a União Soviética se armar,
antes que os nazistas a atacassem. Pode até ter sido, mas se não houvesse em
Stalin, líder comunista, o germe
totalitário, intolerante, que é a característica do fascismo, as tropas
soviéticas poderia ter avançado sobre a polônia sem cometer as mesmas
crueldades dos nazistas.
Enfim, por aqui, entre nós, o temor do fascismo limita-se a
certas atitudes intolerantes que se tornaram modismos, como a de enxovalhar
nordestinos, e considerar aqueles que têm outras opções sexuais como seres
depravados diante dos quais o mundo
precisa fazer uma assepsia preventiva.
Daquela gaveta fechada, trancada a sete chaves pelo deputado
Eduardo Cunha, devem estar saindo as vozes soturnas dos Torquemadas, dos Savonarolas, festejando o prenuncio de
fogueiras expiatórias.