domingo, 11 de outubro de 2015

A BABA DO ÓDIO QUE SE DERRAMOU SOBRE O MORTO



A BABA  DO ÓDIO  QUE SE
DERRAMOU SOBRE O MORTO
É possível,   com raiva,  escrever um poema, compor uma música.   Até  Deus, se for Ele mesmo o responsável por tudo, na  obra suprema   de 6 dias,   descansou no sétimo, talvez, com a raiva sublime de quem, com infinito poder, sentisse , insatisfeito, que poderia ter ido muito   além da perfeição da flor , do beija-flor,  das galáxias , da luz.
 Raiva e amor tantas vezes se misturam, e nessa ambivalência procriam coisas e sensações, estas, por vezes até, e surpreendentemente, de prazer imenso.
 Raiva é sentimento humano, diferente do ódio , instinto animal, que  tudo contamina, corrói, aniquila, apodrece.
Quem agasalha o ódio envenena a alma e carrega o hálito nefasto, prenuncio de morte e destruição.
A Espanha conheceu esse hálito  terrível , e se foi despedaçar no  fratricídio gigantesco  que durou 3 anos 8 meses e 15 dias.
Quando a política se desencaminha,  é oportuno recordar para aonde levam os labirintos sinistros  que o ódio percorre.
Na tragédia imensa que foi a Guerra Civil Espanhola, o primeiro tiro aconteceu após uma longa semeadura de  ódios.
  Um mutilado de guerra, a quem faltavam uma perna um olho , um braço e parte dos dedos da mão restante,  exibia-se como símbolo heroico, porque ainda vestia farda e  espalhava terror. Chamava-se Millan Astray , era general.  Urrou durante uma solenidade na Universidade de Salamanca:  ¨Abaixo a cultura , abaixo a inteligência, viva a morte.  ¨ O reitor era  Miguel Unamuno,    ligado à direita, mas um humanista,  autor de O Sentimento Trágico da Vida. Ele  interrompeu o general:  ¨O senhor não é apenas um mutilado físico,  é também um aleijado moral. Nesse templo do saber não há lugar para o seu ódio.¨  Unamuno  foi condenado à morte.
Quando, num velório, um morto é insultado como aconteceu  ao ser velado o corpo de Jose Eduardo Dutra, fica-se a duvidar do que  acontece neste Brasil, onde  Sérgio Buarque de Holanda exaltou o povo que era cordial.
O que estaria acontecendo aqui,  entre nós sergipanos, que há muito tempo convivemos civilizadamente, mesmo nos instantes intensos da luta política, e agora assistimos, também, o derramar da baba do ódio contra um morto, que não era sergipano, mas aqui viveu, aqui foi eleito   senador ,  e dignificou o mandato que lhe conferimos em eleição livre, democrática e limpa. O que fez Zé Eduardo que foi presidente da PETROBRAS , mas não enfiou, como  outros o fizeram, as mãos ávidas nos cofres da empresa ? O que fez ele de tanto mal para ser o alvo   de um ódio virulento?    Um morto, não pode falar mais em defesa da sua  biografia insultada.  No caso de Zé Eduardo a sua biografia permanece inalterada porque ele a construiu com decência. Mas, quem derrama  a baba azeda do ódio, tem ,  se for jovem, uma biografia a ser construída. E não se conhece, felizmente, uma  só biografia manchada pelo ódio, que tenha merecido, pelo menos, a condescendência tolerante da História.
 No período mais repugnante da ditadura civil-militar a inteligência canhestra dos próprios marqueteiros do regime inventou a frase:    ¨Brasil,  ame-o ou deixe-o ¨.  O estilo era deplorável e o propósito abjeto. Criava-se a idéia nefasta de que era preciso distinguir duas categorias na população: a dos bons e a dos maus brasileiros.
 Não foi fácil desmontar a máquina trituradora do autoritarismo. E aqui, há uma aspecto que costuma ser  desprezado  quando se afirma que a ditadura caiu, vencida pelo combate  de uma oposição corajosa, que desafiou as prisões e a morte. Houve, sem duvidas, essa oposição corajosa, mas, sem que  no âmago da  ditadura ocorresse o surto de racionalidade que fez os seus próprios integrantes entenderem que chegara a hora de renderem-se aos argumentos da democracia, tudo seria mais difícil.   Nos quartéis se fez o indispensável e penoso trabalho de desinfecção das estruturas contaminadas pelo ódio. 
 Uma nação que conseguiu livrar-se, sem traumas irrecuperáveis,  de  duas ditaduras que geraram um pesado clima de odiosidades,  não pode  permitir que num regime de plena democracia a disseminação do ódio a transforme, agora, numa  desprezível rinha de galos furiosos.

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