sábado, 13 de dezembro de 2014

LA SE FOI O NOSSO ANJINHO BARROCO

LA SE FOI O NOSSO
ANJINHO BARROCO
Como poeta, Araripe Coutinho era airosamente moderno, inovador desafiante de métricas e convenções. Sua poesia hermética, escatológica,  carnalmente construída, era, ao mesmo tempo,   ascese e  calvário de um ser que transubstanciava o martírio interior na  esfuziante determinação de nunca parecer triste. Ele era afável,  extremoso na afetuosidade que demonstrava aos amigos,   e ardiloso também. Nos últimos anos Araripe se foi revelando além do poeta, e surgiu o escritor, o repórter, o comentarista perspicaz do cotidiano.
Poderia ter sido imortal na nossa Academia, mas, entre tantos vetustos adereçamentos, como se sentiria o poeta que se fez anjinho barroco ,  esgueirando-se lépido, quanto lépido pode ser um obeso, para finalmente despir-se,  emoldurado por lantejoulas floridas, deixando-se fotografar assim, tão despojado, em plena circunspeção do Palácio Museu?
Déda o nosso governador,  até quase abespinhou-se com o atrevimento da nudez ao lado dos bigodes e cavanhaques dos próceres sisudos que na República nos governaram, mas, logo deixou-se  convencer pelo argumento sempre sensível a um intelectual de que a irreverência também movimenta a roda da vida.
Araripe era assim, insolente na nudez desafiadora,  ajoelhadamente místico diante do sublime e  da fé.
Na Missa do primeiro ano da morte de Déda lá estava ele, envolvido numa echarpe de seda, translúcida, a declamar um poema  e a derramar lágrimas.  Dias depois, na festa de lançamento da Agenda de Thais Bezerra, Araripe  quase saltitava, parecia um pássaro a ensaiar um vôo, e  ouviu de  um jornalista: ¨Ontem,  numa livraria, li um pequeno livro de poemas . Só depois verifiquei que o autor era Araripe.  Você é daqueles poetas que criam mundos quase inacessíveis para quem tentar desvendá-los.   Sua poesia nunca será popular, mas, daqui a muito tempo haverá reedições,  e os críticos construirão sua glória póstuma. ¨

Infelizmente não houve o ¨muito tempo ¨. O anjinho barroco alçou vôo.  Sua amiga artista, escritora , também poeta  Antonia Amorosa, sentia, na cerimônia do adeus, que o anjo por ali esvoaçava.

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