O FIM DO MUNDO E
OS SINAIS DO TEMPO
A parcela judaico-cristã da
humanidade, minoritária, aliás, não é exclusiva portadora da ideia do Genesis e do Apocalipse, os dois
pontos fulcrais onde começa e termina o mundo , e que a Bíblia descreve desde o Éden, o paraíso perdido por Adão e Eva
em consequência da irresistível atração pelo prazer de morder a maçã
metafórica, até o fogaréu derradeiro, onde tudo se consome, e o Criador chega
para sopesar virtudes e defeitos das
suas criaturas, e determinar-lhes o destino: Céu ou inferno, ressureição, ou
cinzas. Em forma de textos religiosos ou
lendas transmitidas de geração a geração,
existem centenas ou milhares de narrações diversas sobre a Criação, e profecias inúmeras a respeito do fim dos tempos. Em quase todas elas, os sinais que precedem a hecatombe derradeira são dados
através de eventos extraordinários, cometas luminosos, desastres naturais, ou as turbulências humanas, desde guerras, a
crimes hediondos, ou até a devassidão de costumes.
Em Canindé do São Francisco,
naquele extremo de sertão onde a seca persiste , há quem viva a repetir que, chegando-se
ao quarto ano de invernos secos e verões sem trovoadas, seria sinal forte de um
próximo fim do mundo, tema no qual se especializam tantos padres e pastores que
lotam templos espalhando temor. E aconteceu,
em Canindé, o crime horrendo: Um homem de 39 anos matou e decepou braços e
pernas de uma criança de dez, que era seu irmão. Isso fez as pessoas enxergarem
mais perto o Apocalipse, como se em terras do paraíso que fora tão recentemente
perdido, Caim não houvesse matado o irmão Abel. E era apenas o começo dos
tempos.
Daqui a 2 bilhões de anos, se algo fortuito e
grave não ocorrer, a terra estará nos estertores, a humanidade terá desaparecido, e ninguém mais verá , da
terra gelada, um sol enorme , bola de luz mortiça, quase imperceptível no fundo do firmamento negro.
Se os temores místicos de um fim
de mundo a bater às portas são cientificamente injustificáveis, a
realidade apavorante da violência que a nossa volta cresce, as vezes nos faz duvidar, se como espécie
temos evoluído ou regredido, e isso, efetivamente, nos atormenta. Ficando
indiferentes ou acovardados, estaremos condenando as próximas gerações, pelo
menos aqui no Brasil, onde a violência virou rotina, a se virem diante da opção selvagem :
Justiceiros ou bandidos.
A violência, como querem alguns,
seria exclusivo produto da miséria, das injustiças sociais, mas, talvez, ela se alimente com maior intensidade no
espaço das nossas omissões, tolerâncias, e visão deturpada a respeito de
valores e conceito de liberdade e direitos.
O homem que matou, cortou braços e pernas do irmão, um menino
vivaz, inteligente, que gostava de música, e
retornava, vindo da escola, carregando uma sacola de livros, era
considerado um demente, vez por outra
com acessos de fúria sem maiores consequências. Na policia, ele disse que não
completara a empreitada bárbara, porque não tivera tempo de esfolar, retirar a
pele do irmão ainda vivo, de quem tinha quase a mesma idade, quando viu sua mãe
estuprada por marginais que infestavam uma favela de Socorro, onde o pai, vindo
do sertão, instalara um pequeno armazém. A mãe, desde então, passou a viver num estado
quase cataléptico. Os estupradores não
foram presos, continuaram estuprando e
roubando. Tempos depois, três deles foram mortos ,
e o pai, acusado de ter
perpetrado a vingança, foi preso, passou mais de dois anos na cadeia. Voltou a viver em Canindé, assustado
com a violência da cidade grande,
tornou-se funcionário da COHIDRO, e tem uma
Banda de Música, a Forrobodó, onde o menino morto gostava de ensaiar o
canto. Messias de Bento é assim conhecido o sertanejo, homem honrado, que
passou pela ignominia de viver o crime sem castigo sofrido pela esposa, agora,
semiparalítico em consequência de um acidente vascular cerebral, deveria, se
pudesse se locomover, ir a novo júri, 20 anos depois . Pai de
um filho morto e também do que o matou, ainda chora a morte de outro filho,
assassinado há dez anos. Os matadores
estão soltos, nunca foram julgados.
Para Messias de Bento, para os
seus filhos assassinados, para o seu filho assassino, o mundo deles acabou,
tragados pela realidade do outro mundo, o global, cuja lógica se tornou para todos eles, ininteligível.
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