NOTÍCIAS DE MANGUE SECO ( 2 )
Quando, no final dos anos
cinquenta, Robson dos Anjos começou a
organizar diminutas caravanas de sergipanos que ousavam atravessar o Atlântico
nos asas da Panair e iam conhecer a Europa,
os grupos eram sempre formados por comerciantes, médicos, advogados, juízes, um ou outro engenheiro, e
raríssimos professores. Depois do giro europeu acessível apenas a uma faixa
restrita da população, havia um traço comum no comportamento dos que retornavam: Eram todos deslumbrados com o nível de civilização
alcançado pela sociedade europeia. Durante meses e meses ficavam a falar sobre as maravilhas do Velho Continente, ainda sarando as horrorosas feridas deixadas
pela Segunda Guerra Mundial, que acabara há pouco mais de 10 anos. Os
intelectualizados eram convidados a fazer palestras, nas escolas, nos sindicatos, nos clubes de
serviço. Alguns, escreviam artigos nos jornais ou publicavam livros sobre a viagem.
Das impressões recolhidas e
contadas pelos turistas pioneiros, uma ficou gravada mais intensamente na memória
dos que ouviam os relatos, e até chegou
a se transformar em virtuoso exemplo de
cidadania perfeita. Sempre num tom
desdenhoso na comparação que faziam entre
Europa e Brasil, as pessoas
que ouviram ou
leram as narrativas dos
¨descobridores ¨ se transformavam em entusiasmados
propagandistas da vida virtuosa dos europeus, e, depois de saírem exaltando a honestidade dos ¨gringos ¨
perguntavam descrentes : ¨ Quando, aqui
neste nosso Brasil, uma banca de
revistas poderá expor jornais
para que as pessoas os escolham, e, depois, deixem numa caixinha o
dinheiro correspondente ao valor da compra ?¨ Logo ouviam a resposta que equivalia a uma peremptória condenação: ¨Nunca. Nós somos um país de ladrões. Temos a herança maldita dos criminosos degredados que Portugal mandou
para povoar a terra recém descoberta no
fim do mundo ¨.
O exemplo da venda de jornais sem
a necessidade de vendedores, era coisa limitada a algumas pequenas cidades da Suiça e Alemanha, mas, foi entendido como
se fosse um comportamento usual, abrangente,
adotado também em lojas, mercearias ,
farmácias, ¨coisa de primeiro mundo ¨
como hoje repetimos, desdenhosos de nós mesmos, e sempre prontos a
exaltar sucessos alheios.
Domingo, dia 17 de novembro, restavam em Mangue Seco
alguns poucos turistas que espichavam ainda mais o alongado feriado. No amplo
quadrilátero de areia que é a ¨plaza mayor ¨ do povoado, passeavam alguns
casais e pequenos grupos. A iluminação fraca
deixava imponente a lua , e o luar espraiado
até poderia ser chamado de lânguido, a aumentar a calmaria dolente de um
fim de semana praianamente
preguiçoso.
Da igrejinha
onde ficam as marcas do improviso prático de construtores nativos,
saiam cânticos e orações entremeadas de aplausos, quando o padre anunciava o
nome de crianças vencedoras de um concurso
sobre o catecismo. Do lado oposto uma
lojinha era, além da igreja, os dois
únicos locais bem iluminados. Uma
lojinha de artesanato, com o nome
presunçoso de Shopping Mangue Seco. No ¨Shopping ¨passeavam turistas, andavam de
um lado para outro, manuseavam as peças
de artesanato, mexiam em tudo, mas, não havia um só vendedor. Aliás, o vendedor
único era o próprio dono, mas àquela hora, ele,
como costumava fazer quando se ausentava, deixou a loja aberta e foi à
missa. ( Continua no próximo domingo )
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