domingo, 24 de novembro de 2013

NOTÍCIAS DE MANGUE SECO



NOTÍCIAS DE MANGUE SECO
Quando o carnaval começava,  naquele ano de 1976, Aracaju  estava reservada para tornar-se o palco de um dos mais estúpidos episódios que marcaram os momentos  sinistros da ditadura militar debaixo da qual vivíamos. Logo, um quartel se encheria de indefesos torturados e sádicos torturadores,  que, entre outras ignominias,  causaram a cegueira permanente no petroleiro Milton Coelho, e aviltaram a imagem do exército  brasileiro. Naqueles dias de medo e incertezas o jovem agrônomo Manoel Hora, militante do Partido Comunista Brasileiro, organização da esquerda que até condenava a luta armada contra o regime, recebeu um conselho do experiente Paulo Barbosa:¨ Evite ser preso no carnaval, quando a festa acabar muitos já terão sido torturados ou mortos.¨ Manoel Hora seguiu o conselho. Pegou sua Brasília amarela e foi para Mangue Seco, onde alguns amigos passavam o  verão numa barraca. Naquela praia isolada, só alcançada por embarcações,  sentiu-se seguro. Transcorridos alguns dias, sem notícias do mundo exterior,  sentiu que a ansiedade o dominava. Naquele cenário  de  mar, rios imensos, dunas alvascentes,  mangues e coqueirais, sentir-se desconfortável ou ansioso é quase um crime de lesa- natureza,  então, resolveu retornar a Aracaju.  Naquele ano de 76, no minúsculo povoado praiano espremido entre o mar e as colinas arenosas, não chegavam turistas. A escuna motorizada do engenheiro Jorge Leite, tragada pela grande cheia de 68, que levou de roldão a fábrica Santa Cruz e tudo o que estava no porto   fluvial da Estancia, não mais levava os grupos de convidados de Jorge a visitarem a sua reserva ambiental do  Crasto,  e a praia  na ponta da extremidade do litoral norte baiano. Mas Jorge Leite já criara a moderna e modernizadora Sulgipe , que hoje  clareia  as noites sossegadas de Mangue Seco. Manoel Hora escapou da prisão, salvou o emprego, e agora, em plena juventude da velhice, que também se chama meia- idade,  vez por outra retorna ao local onde imaginou  o impossível afastamento do mundo e das  suas ameaçadoras  turbulências.  Nesses quase 40 anos  pouca coisa mudou no povoado,  onde a vida ainda corre com a maciez inalterada de quem sabe  que é preciso deixar intactamente  primitivo o chão de areia , escancaradamente abertas as portas e janelas, e ainda pendurar muitas redes nas varandas.
Mangue Seco, divergem os seus habitantes, para uns, tem exatos 260 moradores permanentes, para outros,  já passam dos 300. Deixemos – los com a sua insanável  divergência,  ela serve até para lhes fortalecer a peculiar forma instintiva  de valorizar a paz e a polêmica.
 Quem, sem ser viscosa ou viciosamente urbano,  não gostaria de  viver numa comunidade onde as pessoas , mesmo as mais velhas, nem lembram de algum crime que ali possa ter ocorrido?
Em Mangue Seco não há policiais, e  construir uma delegacia seria gasto desnecessário, porque já faz muito tempo que um morador precisou ser detido, e, se o foi, certamente a causa teria sido alguma bebedeira além da conta.
No carnaval, quando chegam muitos turistas, principalmente de Salvador, dois policiais vestindo bermudas chegam, e ficam  sem ter o que fazer. Este ano, foi uma exceção. Quatro ou cinco jovens turistas pilotando motos, vindos  pela manhã logo cedo, se puseram a fazer manobras radicais  com os escapes abertos  sobre o extenso areal que é o centro do povoado, onde há uma igreja, e, naquela hora, mais da metade da população assistia missa.  Os dois policiais os abordaram e os fizeram pegar a trilha de retorno, mas, proibidos de ligarem  os motores, saíram  empurrando as motocicletas até um local onde o barulho das máquinas não chegasse a incomodar os  viventes de Mangue Seco. As  pessoas que assistiam a cena  bateram palmas entusiasmadas para os policiais.
Mangue Seco deve ser um dos poucos lugares do Brasil onde a policia recebe aplausos.
( Continua domingo )

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