quarta-feira, 26 de junho de 2013

UM SENTIMENTO QUE SAI DAS RUAS



UM SENTIMENTO QUE SAI DAS RUAS
Desde  quando, rompendo-se o dique opressor da  ditadura,  houve  o desaguar dos sentimentos reprimidos e se fez em Aracaju o gigantesco  Comício das Diretas, nunca  tanta gente ocupou as ruas da cidade como na quinta –feira. E os manifestantes deram uma demonstração de que o povo em marcha não pode ser confundido com os desordeiros e marginais  que destroem e saqueiam. Da estimulante novidade do povo nas ruas, num país e numa cidade com uma população que parecia até poucos dias atrás indiferente ou conformista e acomodada, é possível, sem maior dificuldade, identificar algumas causas da inquietação popular. A que mais  aflora é a distancia entre povo e poder. O ritual democrático do voto já não parece suficiente para preencher o sentimento de cidadania.
Num país como o nosso, onde, como disse Nelson Rodrigues,  ¨se vaia até minuto de silencio¨, quando uma autoridade passa num lustroso carro preto acomodando as nádegas no lado direito do banco traseiro, o povo nas ruas quase sempre segue o veiculo com os olhos e o inseparável coro: ¨ Lá vai  mais um sacana ¨.  Terno escuro, gravata, carro preto, e o Vossa Excelência prá cá Vossa Excelência pra lá, são, entre nós, formalidades  que o povo enxerga como ridículas.  Antes, um prédio público suntuoso até podia ser motivo de orgulho para a comunidade que nele identificava um patrimônio de todos, agora, onde não houver simplicidade, despojamento, o povo logo critica a ostentação, o gasto desnecessário. Obra pública, de um modo geral, é sempre vista com grande desconfiança. O povo não entende porque a comida que se come nos palácios é diferente do bife e do feijão com arroz de cada dia ,  e pergunta: ¨Por que a gente tem que pagar esse luxo ? ¨
 Gestos identificados como vaidosos ou arrogantes,  de ocupantes de cargos públicos, por mais insignificantes que sejam, logo alimentam o arsenal de piadas. Há, aqui mesmo em Aracaju,  autoridades com direito a carros pretos, que exigem dos motorista motor e ar condicionado ligados  com muita antecedência,  para que, ao chegarem,  a refrigeração esteja no ponto ideal.  Nos locais onde os carros ficam a desperdiçar gasolina, e dinheiro,   circulam servidores que sobrevivem com  salário mínimo.  Não se sabe  porque,  tais  despreocupados gestores ainda não sentiram queimar-lhes as orelhas. O povo não quer tapinhas nas costas, mas, como as ruas estão a demonstrar, exige respeito,  espera que neste país  ainda muito desigual, apesar de figurar como sexta ou sétima economia, os ocupantes de cargos públicos, sejam eles vitalícios ou temporários, se comportem como servidores públicos. Como tanto gosta de repetir o governador Marcelo Déda: ¨Servidor público é pago pelo povo é empregado do povo ¨¨. A juventude que enche as ruas das cidades nessas manifestações que alguns já identificam como a  ¨primavera brasileira¨ embora  estejamos no inverno, lamentavelmente, faz uma baixíssima avaliação de todos os que ocupam cargos  públicos, a todos classificando como vorazes beneficiários das facilidades do poder.
Esse é um sintoma perigoso, ate mesmo ameaçador  para a estabilidade de qualquer regime democrático. Nada mais oportuno do que uma reflexão e uma cuidadosa autocrítica ,  para que se tente restabelecer a sintonia perdida entre povo e poder.

Nenhum comentário:

Postar um comentário