AO LADO DO CAPES A MALOCA DO
CRACK
Há na Atalaia, mais exatamente na
Praça Durval Andrade, um posto do CAPES, Centro de Atendimento Psicossocial.
É um serviço municipal que funciona com
eficiência e recebe, diariamente, uma
grande quantidade de dependentes químicos. Ao lado, bem junto, vizinho mesmo,
fica uma casa grande em estado de
completo abandono. Naquilo que seria a
entrada de uma garagem, os
desgraçados pela droga fizeram uma espécie de maloca. No local, todos os dias, repete-se o mesmo cenário, talvez ,
um daqueles entre os mais degradantes da espécie humana. Ali,
juntam-se as vítimas do
crack.
O que se poderia fazer, afugentá-los ?
São seres humanos , embora mergulhados num lapso de irracionalidade.
Durante a noite clarear o local
intensamente para que a cena fique mais evidente e eles se afastem ? Um
outro ponto logo seria ocupado, e
o cenário ressurgiria com os mesmos figurantes.
No começo do século passado
algumas drogas da geração dos químicos começaram a surgir. A cocaína fez a estreia ao lado do ópio, da demolidora morfina. Nos anos sessenta o LSD seduzia os engajados no movimento beat. Descobriram chás alucionogênicos, celebrados em livros que se tornaram famosos, e até ícones de um tempo.
Vitimados pelo coquetel de
irrealidade e loucura psicodélica, se
foram tantos ídolos da música pop, tantos expoentes de uma elite pensante ,
envolvidos, todos, num clima de delírio que era também protesto político mesclado com uma ansiosa e indefinida insatisfação
existencial. O álcool, tão socialmente aceito, nunca deixou de estar presente
nesse cenário . Poetas, pintores, escritores, abreviaram a existência sorvendo taças e mais
taças de absinto,
Essas drogas, digamos assim, do
passado, tinham uma certa
aura de fascínio, os que a consumiam, pareciam todos envolvidos numa psicose coletiva, e apontavam
a transgressão de hábitos e costumes como uma saída a ser tentada.
Deram-se mal, todavia, deixaram nas biografias
invariavelmente breves, os marcos da boa literatura, da poesia criativa,
da arte revolucionária, e sempre, uma mensagem da paz. Não renegaram a vida nem
diante dela se tornaram omissos, apenas, trilharam um caminho tortuoso do desafio ao
desconhecido, e dele se tornaram
vítimas.
O crack parece saído do submundo
da decadência, do inferno de todas as tragédias do indivíduo e da sociedade. O
crack é a negação consciente ou inconsciente da vida, e a renuncia a tudo o que
a existência humana pode oferecer. O crack é uma arma de destruição em massa,
real, verdadeira, devastadora.
A vizinhança da maloca do crack
com o CAPES da Atalaia, é a comprovação
constrangedora da complexidade de um
problema, que não é apenas um desafio à polícia, ou a quem trata da saúde
pública, das questões sociais. É muito
mais: É um sintoma aterrorizador do rápido esfacelamento de toda uma estrutura
civilizatória.