sábado, 28 de julho de 2012

OS CADÁVERES DA ARGENTINA



OS CADÁVERES DA ARGENTINA

 A Argentina tem adoração por cadáveres.  Literalmente.  A necrolatria chegou ao ponto de mandarem embalsamar uma morta, que se tornou  espécie de símbolo e de culto nacional. Não fossem as sempre imprevistas peripécias da vida política, das quais a Argentina é pródiga, talvez até hoje, sessenta anos após a morte, ainda estivesse Evita  Peron dentro de uma urna envidraçada sendo exibida e tornando-se  objeto de veneração ou de curiosidade, tal qual foi  o cadáver de Lênin,  enquanto esteve  à mostra num soturno mausoléu erguido na Praça  Vermelha em Moscou.  Deposto, Juan Domingo  Perón levou consigo o cadáver que foi confiado ao Vaticano, enquanto ele, o ex-ditador,  ia morar em  Madrid. Retornando ao seu país, depois  de terem sucessivos generais ditadores constatado que sem Perón a Argentina se tornava  ingovernável,  Juan Domingo Perón  disputou uma eleição que venceu folgadamente. Com ele, chegou de volta o cadáver de Evita, e veio também a nova mulher, Isabelita, uma dançarina da noite que o ditador exilado teria encontrado numa casa noturna,   bem próxima da Zona, que não era exatamente aquela,   (vejam que há um Z maiúsculo) embora bem assemelhada,  porque era a Zona do  Canal do Panamá,   controlada pelos americanos. Perón morreu,  e ficaram o cadáver de Evita e um quase cadáver político, o da sua mulher Isabelita, que era a sua vice e tornou-se presidente. Isabelita, aconselhada pelo  vidente  seu conselheiro,  e dizem,  também amante,  fez o que o bruxo mandou,   colocou o cadáver em local de muito destaque para que outra vez os argentinos viessem,  em permanente procissão, a  prestar-lhe homenagens. Evita tornou-se uma quase religião, embora o Vaticano houvesse negado o pedido feito por Perón para que a canonizassem.   Mas, enquanto isso,  já havia um outro  cadáver, o do general Perón, ao qual os argentinos conferiram a estranha  autoridade de continuar influindo nos destinos da nação. Ele tem sido o morto governante.
 As peripécias do cadáver de Evita não pararam por aí.  Quando os militares expulsaram Isabelita da Casa Rosada e lá enfiaram as suas botas, logo retiraram o cadáver  de Evita, que andou vagando pelos quarteis, bases aéreas e navais. Existe a estranha estória de um militar que recebera a ordem de esconder o cadáver em sua casa.  Colocou a urna num quarto,  à noite acordou com um barulho. Dirigiu-se de arma em punho até  aonde  estava a múmia de Evita, e ao seu lado notou um vulto  esbranquiçado,  que tomou como sendo de  um fantasma,   e então disparou contra ele vários tiros.  O vulto caiu.  O militar acendeu a luz e viu no chão a sua esposa que se esvaia em sangue e apenas balbuciou: - Eu queria ver Evita bem de perto.
Hoje,  quando é assinalada a data da sua morte, sessenta anos depois,  Evita está no Cemitério de La Recoleta.  Alí os argentinos fazem ritualmente a sua prática  de reverencia aos mortos. O cemitério é  quase um símbolo nacional, embora pelas laterais dos seus  elevados muros fervilhe a mais animada das noites boêmias buenosairenses.  Talvez,  a necrolatria explique porque bares e boates estão assim,   tão aconchegados ao cemitério.

Nenhum comentário:

Postar um comentário