quinta-feira, 24 de maio de 2012

OS DOIS HINOS DO NORDESTE

OS DOIS HINOS DO NORDESTE

Luiz Gonzaga era ainda um quase desconhecido estreante no rádio,  quando, em 1947 compôs,   em parceria com Humberto Teixeira, a música Asa Branca.
¨Quando olhei a terra ardendo, qual fogueira de São João eu perguntei a Deus do céu,  aí, por que tamanha judiação.  Assim começa a letra da música que se  tornou uma espécie de hino não oficial do nordeste.
A melodia é um primor, a letra, o primeiro sofrido grito do sertanejo do nordeste que o Brasil todo ouviu.
Asa  Branca virou música cult, correu mundo, transformou-se , arranjos diversos deram-lhe feição de jazz, de  sinfonia, e até os Beatles tiveram suas atenções voltadas para a beleza da criação, diríamos, quase sublime, do nosso Gonzaga e seu parceiro igualmente genial.
George Moustakis,  músico  que  na Europa se fez  porta-voz dos gritos reprimidos de liberdade  nos países latino-americanos  sob ditaduras, entre eles o Brasil, incluiu no seu repertório a Asa  Branca, ao lado de hinos revolucionários de todas as épocas.    Março  de  2001, em Barcelona,  Moustakis fazia uma apresentação no Palau de la Musik, assim,  escrito em catalão. O velho teatro de linhas clássicas, montado quase todo em ferro fundido, estava repleto de militantes que haviam resistido ao fascismo, e naquele mesmo teatro, naquela data, trinta anos atrás, foram  agredidos pela polícia do ditador Franco.  Havia entre eles alguns bem idosos, antigos combatentes  na Guerra Civil espanhola ( 1936-1939)  .  Um coro de mais de mil vozes acompanhava sempre as canções,   hinos de guerra dos tempos de luta.  Moustakis encerrou a apresentação tocando Asa  Branca, dedicando-a  a um jornalista sergipano que o encontrara antes do show em um restaurante e lhe pedira uma música brasileira, e ainda,  homenageando  o escritor Jorge Amado que estava enfermo e atravessava os seus últimos meses de vida.
O hino do nordeste, como se vê , saiu por este mundo afora.
     Há um  outro hino,  nordestino também,  poesia pura, todavia dramática,  distante da esperança, realista, vigorosa para o seu tempo,  e que termina sem ¨os  verdes olhos  ( de Rosinha) se espalhando na plantação¨ como na letra de Asa Branca.  A família de retirantes depois da sofrida viagem,  sobrevivendo em São Paulo,  ¨não volta mais não. É a Triste Partida,  do sublime Patativa do Assarê, que Luiz Gonzaga cantou e celebrizou.  A  odisseia do nordestino, batido, derrotado pela seca, é contada  na década dos sessenta, quase vinte anos depois de Asa Branca, mas aí, já estávamos na ditadura e falar em sofrimento do povo era subversão.
 A música de Patativa do Assarê  é agora uma reminiscência que não traduz mais a realidade nordestina. Houve mudanças para melhor. Acabou-se o  ¨Pau de Arara¨ , os caminhões  atulhados de  gente como se fosse gado fugindo da seca,  rolando pelas estradas, tentando chegar a São Paulo. Uma rede de proteção social evita  a epidemia da fome e a região transformou-se na que mais cresce no país. Por aqui, coisa inusitada, já se registra até carência de mão de obra.
Mas a seca,  fenômeno climático recorrente, continua acontecendo, e com ela estamos longe de estabelecer um pacto de convivência.   Atravessamos agora mais um período de longa estiagem. Dois anos sucessivos sem trovoadas, invernos fracos, causaram  a pior das situações vividas pelo sertão, que é  a falta de água nos açudes.
 O governo federal, que desde o Império vem construindo grandes açudes pelo nordeste, entendeu que Sergipe e Alagoas com pequena área incluída no semiárido  e às margens do São Francisco, ficariam fora do programa de açudagem.  Temos apenas um grande reservatório, o açude Duas Barras, em Gracho Cardoso, que permanece cheio .
Aconteceu a reforma agrária, grandes latifúndios foram repartidos, e nasceram os assentamentos do MST, todos dependendo da ocorrência de chuva e desprovidos de um sistema eficaz  para acumulação de água. Cresceu a população sertaneja assistida pelos programas sociais, e numa boa parte dos assentamentos começou a desenvolver-se a pecuária leiteira. Então, o suprimento de água para o rebanho , a alimentação, tornaram-se o grande problema quando escasseiam as chuvas.  Não dá para sustentar boi e vaca pagando tarifa da água da DESO ,  impossível também de ser levada por rede de adutoras a todos os locais.
  Houve o reforço emergencial na rede de assistência, com mais cestas básicas e ampliação do numero de pessoas atendidas pelo  Bolsa Família. A grande dificuldade hoje é levar água em caminhões-pipa   para não deixar que o rebanho morra de sede. Um caminhão leva em média sete mil litros de água,  um rebanho de dez vacas consome  em média seiscentos litros diários, e são milhares de animais sedentos. Sem água suficiente a vaca não produz leite, mesmo que tenha uma boa ração.
A grande dificuldade é  que, apesar de séculos e mais séculos de seca,  não existe ainda uma estratégia eficaz para adequar a vida do ¨catingueiro¨ao local onde ele mora, planta, cria e tenta produzir.
 O semiárido sergipano parece ter encontrado sua principal vocação econômica na pecuária leiteira.   Esse é um fato recente, e é preciso agora que se criem as condições básicas para que a atividade que deu certo se amplie, sem os percalços dos tempos certos em que a chuva é incerta.
Há algum tempo o governador Marcelo Déda vem insistindo em Brasília sobre a necessidade de um tratamento específico para o semiárido nordestino, para que se desenvolva um projeto capaz de aposentar definitivamente os carros pipa, indispensáveis ainda, porque não se fizeram,  na quantidade que é necessária,  as obras essenciais para que a seca deixe de ser sinônimo de prejuízo, sofrimento, desesperança.
   Se conseguir  alterar o comportamento de tecnocratas enfiados nos seus gabinetes , apegados a modelos que não se aplicam  ao sertão nordestino, e torná-los mais atentos ao saber eficaz da ¨experiência feita¨ de que já falava Camões no século dezesseis, se conseguir fazer  isso, a presidente Dilma poderá,  enfim, desamarrar o nó que existe em tantos ministérios, e, finalmente, trazer ao semiárido nordestino as ações que  poderão  superar  os obstáculos do clima, coisa que em tantos países há séculos já foi feita.
Precisamos fazer com que  a Triste Partida do poeta Patativa do Assarê  seja sempre a canção exaltada e relembrada de um tempo que ficou no passado, e da Asa Branca, um hino  de esperança e vitória sobre a secular adversidade.

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