A MÃE DÉ E O PROFESSOR GENARO
Dona
Dejanira Silva, mais conhecida como Mãe Dé, era uma senhora idosa que
não casou, mas constituiu uma grande família, criando muitos filhos.
Sua casa simples na esquina das ruas Arauá e Maruim, era sempre
movimentada, com os meninos que lá viviam e os amigos numerosos que
chegavam sempre. Nascida em Rosário do Catete, terra berço de tantos
políticos importantes, Mãe Dé, tornou-se amiga e até confidente de
algumas daquelas famílias senhoriais dos massapês da Cotinguiba.
Conviveu, desde quando ainda eram meninos, com personalidades que se
projetariam depois no cenário político sergipano, como Leandro Maciel,
Maynard Gomes e Luiz Garcia. Tornou-se assim conhecedora e
participante em muitos episódios, assistiu de perto, vivenciou cenas
interessantes que anos depois contava, complementando sempre com
observações que só a vivência próxima dos fatos e das pessoas permite.
Ao amigo Paulo Costa que conhecera quando jovem promotor em Maruim,
narrava esses fatos que ele como jornalista saboreava com gosto, e até
os anotava, incluindo versos e estórias do folclore da região do qual
Mãe Dé era a memria viva. Sobre o inconformismo e a rebeldia que o
futuro ¨tenente¨ Maynard já revelava desde menino, e que daria
sequência depois nos seus arrojados atos revolucionários, Mãe Dé
contava: ¨Na escola, o menino era enfarruscado, falava pouco, mas
reclamava muito. A professora mandava que ele soletrasse: tá-a tá-tá-a-
tá-bo- o- bo- cê-a-ca, o que é Augusto? E ele com fala ríspida:
Taquara, professora. Tá errada Augusto, vou soletrar outra palavra:
Ta-a-ta-a-ta- a-ta- q-u-a- q-u-a- rê--a-ra, o que é Augusto? E o
menino: Taboca, professora. Mãe Dé começava suas estórias sempre
entoando como se cantasse a exortação de curandeiros, corrente na
região: ¨Com dois te botaram com dois em te tiro, quem vai pra Marreca,
passa no Retiro¨. Entre os meninos que Mãe Dé criou, estava um a quem
ela dedicava maior atenção. Ele tinha na frente da casa um quarto
especial, só por ele ocupado. E ela dizia: ¨Esse gosta de estudar, é
fraquinho e precisa um tratamento melhor¨. O menino chamava-se Genaro,
era mesmo ¨fraquinho¨, magro, de uma brancura amarelada, olhos
esbugalhados, vivia atormentado por uma dor de dente constante que o
fazia consumir vidros e mais vidros de Guaiacol, um remédio de cheiro
forte para aliviar o incômodo que por vezes o prostrava. O quartinho
era atulhado de livros, quase todos de matemática e física. Genaro era
fascinado pelos números, e falava em coisas que poucos entendiam:
paralelas se encontrando no infinito, espaço curvo, cálculo
infinitesimal, teorema de Fermat. Formou em torno dele um grupo de
alunos quase todos tentando fazer o vestibular para a Escola de
Química, que era puxado, fazendo jus à fama da escola superior que em
Sergipe ganhara renome nacional. Insistia para que os alunos
procurassem fazer demonstrações originais, e os desafiava com o Teorema
de Pitágoras. Dois desses alunos revelaram um grande pendor para as
matemáticas. Um foi Mário Luiz Figueiroa, que se tornou oficial da
Aeronáutica e morreu cedo, aos 24 anos, fazendo arriscada manobra
acrobática; o outro tornou-se psiquiatra, Eduardo Vital Santos Melo,
que morreu aos 52 anos, nunca convencido de que agira acertadamente ao
trocar a vocação de monge pela profissão de médico, embora tenha sido
um monge dos mais ascetas durante toda a vida. Genaro Dantas Silva,
como não poderia deixar de ser, tornou-se professor, primeiro da Escola
Técnica, hoje IFS, depois da UFS, e é agora uma referência nacional
quando se fala em grandes matemáticos. A nossa Universidade Federal
fez a Genaro a maior das homenagens acadêmicas, tornando-o Doutor
Honoris Causa. Não poderia haver um reconhecimento mais adequado ao
cientista que se fez com inaudito esforço, num ambiente antes tão
adverso à ciência, onde o empolado saber bacharelesco servia apenas
para demonstrar superioridade doutoral, e quase nada mais. A Mãe Dé
cumpriu a sua sacrificada tarefa de criar e dar educação ao menino
¨fraquinho. A UFS, na mesma solenidade, concedeu a Medalha do Mérito
Universitário ( in memoriam ) ao professor Arivaldo Montalvão Filho,
tornou professores eméritos, entre outros, Gilza Luisa da Mota Gomes e
Luiz Alberto dos Santos, e fez ainda moção de agradecimento ao
governador Marcelo Déda e a toda bancada sergipana no Senado e na
Câmara.
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