quinta-feira, 24 de maio de 2012

A MÃE DÉ E O PROFESSOR GENARO

A MÃE DÉ E O PROFESSOR GENARO

Dona Dejanira Silva, mais conhecida como Mãe Dé, era uma senhora  idosa que  não casou, mas constituiu uma grande família, criando   muitos filhos. Sua casa simples na esquina das ruas Arauá e Maruim, era sempre movimentada, com os meninos que lá viviam e os amigos numerosos que  chegavam sempre. Nascida em Rosário do Catete, terra  berço de tantos políticos importantes, Mãe Dé,  tornou-se amiga e até confidente de algumas daquelas famílias senhoriais  dos massapês da Cotinguiba.   Conviveu, desde quando ainda eram meninos, com personalidades que se projetariam depois no cenário político sergipano,  como Leandro  Maciel, Maynard Gomes e Luiz  Garcia.  Tornou-se assim conhecedora e participante em muitos episódios, assistiu de perto, vivenciou cenas interessantes que anos depois  contava,   complementando sempre com observações que só a vivência próxima dos fatos e das pessoas permite.  Ao amigo Paulo Costa que  conhecera  quando jovem promotor em Maruim, narrava esses fatos que ele como jornalista saboreava com gosto, e até os anotava, incluindo versos e estórias do folclore da região do qual Mãe Dé era   a memria viva.
 Sobre o inconformismo e a rebeldia que  o futuro ¨tenente¨ Maynard já revelava desde menino, e que   daria sequência depois  nos seus arrojados atos revolucionários, Mãe Dé contava: ¨Na escola, o menino era enfarruscado, falava pouco, mas reclamava muito. A professora mandava que ele soletrasse: tá-a tá-tá-a- tá-bo- o- bo- cê-a-ca, o que é Augusto?  E ele com fala ríspida: Taquara, professora.
Tá errada Augusto,  vou soletrar outra palavra:  Ta-a-ta-a-ta- a-ta- q-u-a- q-u-a- rê--a-ra, o que é Augusto? E o menino: Taboca, professora.
 Mãe Dé começava  suas estórias sempre  entoando como se cantasse a exortação de curandeiros, corrente na região: ¨Com dois te botaram com dois em te tiro, quem vai pra Marreca, passa no Retiro¨.
Entre os meninos que Mãe Dé criou, estava um a quem ela dedicava maior atenção. Ele tinha na frente da casa um quarto especial, só por ele ocupado. E ela dizia: ¨Esse  gosta de estudar, é fraquinho e precisa um tratamento melhor¨. O menino chamava-se Genaro, era mesmo ¨fraquinho¨, magro, de uma brancura amarelada, olhos esbugalhados, vivia atormentado por uma dor de dente constante que o fazia consumir vidros e mais vidros de Guaiacol, um remédio  de cheiro forte para aliviar o incômodo  que por vezes o prostrava. O quartinho era atulhado de livros, quase todos de matemática e física. Genaro era fascinado pelos números, e falava em coisas que poucos entendiam: paralelas se encontrando no infinito, espaço curvo,  cálculo infinitesimal, teorema de Fermat. Formou em torno dele um  grupo de alunos quase todos tentando fazer o vestibular  para a Escola de Química, que era puxado, fazendo jus à fama da escola superior que em Sergipe ganhara renome nacional.  Insistia para que os alunos procurassem fazer demonstrações originais, e os desafiava com o Teorema de Pitágoras.   Dois desses alunos revelaram um grande pendor para as matemáticas. Um foi Mário Luiz Figueiroa, que se tornou oficial da Aeronáutica e morreu cedo,  aos 24  anos, fazendo arriscada manobra acrobática; o outro tornou-se psiquiatra,  Eduardo Vital Santos Melo, que morreu  aos 52 anos, nunca  convencido de que agira acertadamente ao trocar a vocação de monge pela  profissão de médico, embora tenha sido um monge dos mais ascetas durante toda a vida.
Genaro  Dantas Silva, como não poderia deixar de ser, tornou-se professor,  primeiro da Escola Técnica, hoje IFS, depois da UFS, e é agora uma referência nacional quando se fala em grandes matemáticos.
A  nossa Universidade Federal fez a Genaro a maior das homenagens acadêmicas, tornando-o Doutor Honoris  Causa. Não poderia haver um reconhecimento mais adequado ao cientista que se fez com inaudito esforço, num ambiente antes tão adverso à ciência, onde o empolado saber bacharelesco servia apenas para  demonstrar superioridade doutoral, e quase nada mais. A Mãe Dé cumpriu a sua sacrificada tarefa de criar e dar educação ao menino   ¨fraquinho.  A UFS, na mesma solenidade, concedeu a Medalha do Mérito Universitário ( in memoriam ) ao professor Arivaldo Montalvão Filho,  tornou professores eméritos, entre outros, Gilza  Luisa  da Mota Gomes e Luiz Alberto dos Santos, e fez ainda moção de agradecimento ao governador Marcelo Déda e a toda bancada sergipana no Senado e na Câmara.
 

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