Depois que Edgard Allan Poe escreveu O corvo, ( The Haven ) a ave sempre portadora de maus presságios, entrou, definitivamente, para o mundo das sensíveis, metafóricas ou cifrantes elucubrações poéticas. O corvo, com seu crocitar sinistro ( seria crocitar mesmo a voz do corvo ?) tornou-se simbolicamente presente na vida política brasileira durante os tumultuados anos do inicio da década dos sessenta, anos prenhes de ideias conflitantes, que produziam memoráveis embates, num cenário político dominado pelo protagonismo de figuras que os superados cultores do clássico denominariam ¨varões de Plutarco¨. Seixas Dória, falecido mês passado, foi um daqueles ¨varões¨, Carlos Lacerda, polêmico, impiedosamente cáustico, contraditório, foi, seguramente, o personagem de maior visibilidade naquele privilegiado palco de eminencias . Um dia, a Ultima Hora, porta-voz das causas populares, estampou em primeira página, um grotesco corvo. O traço criativo do chargista combinou magistralmente o rosto caricato de Lacerda com o corpo da ave, e daí em diante o corvo passaria a simbolizá-lo. Talvez, para que se esquecessem do corvo e da associação que ele despertava, Lacerda, mestre em marketing, palavra desconhecida na época, resolveu dar projeção a um pássaro não castigado pela fama de ser o preferido de bruxas e duendes. Perfeccionista criador de passarinhos, ele trouxe de Portugal um mainá, ave de canto mavioso. Então, o todo poderoso governador do estado da Guanabara, usou até cronista social para fazer do seu mainá uma celebridade. Mas o pássaro famoso morreu, e a Ultima Hora, outra vez, colocou o corvo em primeira página, com a cara de Lacerda, enfiando as garras e devorando o infeliz mainá lusitano.
O jornalista Paulo Francis então militante de esquerda e no melhor da sua forma de polemista, escreveu, também na Ultima Hora, sucessivas verrinas contra Lacerda, inspirando-se no poema de Allan Poe, e dele fazendo traduções oportunísticas, para ilustrar a pancadaria. O diabo é que o poema nem fala em corvo, dele, só leva o nome.
Em The Raven, a ave atemoprizante é sujeito oculto, poeticamente escondido. A visita que bate à porta na madrugada sombria, e repete as batidas, é angústia avassaladora em um escuro mês de dezembro. São os medos, os pesadelos, a solidão opressa, e todos os terrores na alma atormentada do poeta.
Poe morreu, não se sabe até hoje, com certeza, se durante um monumental porre, álcool, ópio, ou envenenado por inimigos solertes. Seus contos de terror o celebrizaram, mas The Raven, seria a criação maior, que persistiria no tempo, a instigar sucessivas gerações de outros poetas.
Jozailto Lima, embriagado pelo jornalismo,, cachaça à qual se aferra, viciadamente, esmerando-se em magistrais textos, todos os dias desperta poeta, e dorme poeta, mas, o labor da redação o obriga, a, somente indormido, , dar consequência ao imperativo de poetar. Assim, saídos da insônia, já nasceram 4 livros. Com eles consagrou-se o poeta. Agora, ele prepara o lançamento do quinto, Viagem na Argila. Concluído o livro, neste início de ano em que tempestades se formam, Jozailto, mais um a inspirar-se em Poe, e no seu subjetivo, sinistro corvo, escreveu Farsa da Calmaria, que lhe pedimos licença para transcrever:
enquanto o corvo
lá num bem longealém
repousa e never
nada ousa
contra a lisa lousa
da alegria,
a garça daqui pousa
na tropical graça deste dia.
mas cuidado, meu
irmão meu desigual,
com as garras
do repouso: tudo é farsa:
nada é calmaria.
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