Uma
obra como o Canal de Xingó estimada em 2 bilhões e meio de reais que
interessa muito mais a Sergipe do que a Bahia, não será um projeto
fácil. Em Alagoas a obra do Canal do Sertão começou há muito tempo e
sofreu sucessivas interrupções. Foi paralisada por mais de cinco anos.
Havia um deputado federal, Alberico Cordeiro, que lutava muito pelo
canal alagoano, clamava aos céus e terras, pedindo que a obra fosse
retomada, isso, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Mas o
canal não saia do lugar. Os investimentos feitos pareciam
definitivamente desperdiçados. Só no segundo governo de Lula o Canal do
Sertão foi reiniciado. Agora, as obras andam bem adiantadas, poderão
ficar concluídas no segundo semestre de 2012. Alberico Cordeiro não
verá pronta a obra pela qual tanto lutou e sonhou. Ele morreu num
acidente automobilístico em 2010. Para que se tenha uma ideia da
morosidade do canal, quando o presidente Collor em 1991 foi reiniciar as
obras da Hidrelétrica de Xingó, também paralisadas, Alberico Cordeiro
contratou um pequeno avião que sobrevoou o local da solenidade.
Rebocava uma faixa onde se lia: Canal do Sertão. Tal como o sergipano
Canal de Xingó, o alagoano é visto como a redenção do semiárido, a
definitiva viabilização da bacia leiteira de Batalha, hoje superada pela
bacia leiteira sertaneja de Sergipe, que, igualmente, tem no Canal de
Xingó a esperança de continuar ampliando a produção. E produção é o que
haverá, e muito, em todo o semiárido de Sergipe, quando estiver pronta a
obra cuja ideia vem de longe, já anda, quase, pela casa dos 25 anos.
Há
muita incredulidade em relação à concretização do projeto, que é caro e
também complexo. O Brasil não tem uma consistente tradição de
capacidade para fazer canais, ferrovias, boas salsichas e lâminas de
barbear eficientes.
Por falar nisso, o canal que fará o transporte de
águas do São Francisco para estados nordestinos, anda com suas obras
emperradas. Temos os maiores rios do mundo, e somos carentes de
hidrovias; só três ou quatro funcionam a contento em todo o país. Em
Sergipe temos quatro grandes estuários dos rios São Francisco, Sergipe,
Vasa Barris, Piauí-Piauitinga, e um menor, o do Japaratuba. Na década
de trinta imaginou-se interligar o rio Sergipe, com o Vasa Barris, pelo
canal de Santa Maria; e o Sergipe com o Japaratuba, através do canal
Pomonga. Os dois ficaram concluídos, barcos navegavam pelo bairro Santa
Maria, transportando quase sempre cargas de coco. Pelo canal do Pomonga
navegava-se do rio Sergipe até Pirambu, passando por pequenas
povoações, como o Touro, a Andreza, onde plantadores de coco deixavam
suas safras para embarcá-las. O canal Santa Maria está agora
inteiramente soterrado, o do Pomonga permite apenas precária navegação
entre as folhagens dos mangues, até as proximidades da ponte na estrada
que liga a BR-101 ao Terminal Marítimo da Vale.
No final dos anos 20,
Graccho Cardoso, sempre arquitetando obras, tinha a ideia de construir
um canal que seria também hidrovia, saindo do São Francisco, chegando
até a Boca da Mata, atual Nossa Senhora da Glória. Pensava em barrar na
foz o Capivara, inexpressivo filete de água que desaparece no verão. A
notícia saiu em jornais, ressaltando a importância do canal para o
transporte da produção agrícola. A ideia não saiu do papel, ou das
cabeças.
Sergipe não é exceção num país que somente agora começa a
valorizar o transporte hidroviário. Vamos ter muita dificuldade para
inaugurar a primeira etapa do Canal de Xingó, de Paulo Afonso a Canindé,
depois, a segunda, mais de cem quilômetros à frente. E ele é apenas um
modesto canal para irrigação e abastecimento de algumas cidades.
Dissemos modesto, porque, em 1681, isso mesmo, há 320 anos, o Primeiro
Ministro Colbert, do jovem Luís XIV, convencido por um visionário,
Pierre Paul de Riquet, inaugurava um canal imenso, comprido e largo o
suficiente para permitir a navegação dos maiores barcos da época. Tinha
162 milhas, cerca de 300 quilômetros, em alguns pontos chegava a uma
altura de 250 metros acima do nível do mar, e foram feitas eclusas para
elevar e baixar os barcos. Doze mil homens trabalharam na construção.
Não é preciso dizer que tudo era feito com a força de músculos dos
homens e dos animais de carga. O canal do tempo do Rei Sol é o
Languedoc, ligando os rios Garone, próximo ao seu estuário no
Mediterrâneo, ao Ródano, que desemboca na baia de Biscaia, já no oceano
Atlântico. Ficou pronto em menos tempo do que o Canal do Sertão, nas
Alagoas. Pelo Languedoc, até hoje, navegam barcos atravessando a
França de norte a sul.
Temos no Brasil apenas a memória recente de um
bem sucedido caso de construção rápida de canal. Aconteceu no Ceará,
onde Ciro Gomes quando governador conseguiu construir em cem dias, os
cem quilômetros do Canal do Trabalhador, levando água de um açude para
reforçar o abastecimento de Fortaleza.
O Canal de Xingó não é obra
para um só mandato. Ele atravessará o tempo que resta a Déda e talvez os
quatro anos do próximo governador. Isso, na melhor das hipóteses. Se o
Brasil continuar crescendo, se a crise que ameaça tragar o mundo não nos
levar de roldão, se os recursos federais forem liberados no tempo
certo, se a vontade política em Brasília permanecer a mesma.
Se Déda
teve trabalho para retirar das gavetas ministeriais o adormecido
projeto, se Déda foi bem sucedido ao mostrar à rigorosa presidente Dilma
a importância da obra que ela encampou como uma de suas prioridades, se
ele conseguiu tudo isso, poder-se-á dizer, contudo, recorrendo àquela
metáfora futebolística tão apreciada pelo ex-presidente Lula, que ainda
não passamos do jogo preliminar. O principal ainda deverá ser iniciado,
e nele, o governador Marcelo Déda deverá exibir a boa e múltipla
performance de goleiro, zagueiro, meio campo e atacante. O esforço será
válido, porque hoje, o Canal de Xingó é, indubitavelmente, a mais
importante obra pública do governo federal a ser realizada em Sergipe.