Possuir extensos tratos de terra sempre foi, no velho Brasil, um sinônimo de poder. O velho Brasil das Casas Grandes e dos coronéis era uma réplica resistente dos feudos que, na Europa, foram territórios incontestados, onde reinava absoluta a vontade dos grandes senhores , os barões da terra, donos do chão e das almas. Aqui, pelo Brasil antigo, também convivemos como enorme e estático país agrícola, com algo muito próximo ao feudalismo, base das relações de produção de toda a Idade Média. Acontece, porém, que o Brasil foi descoberto quando a Idade Média já se findava, exatamente pela expansão do mundo que se ia tornando conhecido, ao mesmo tempo em que se desvendavam os saberes escondidos nas bibliotecas, e a arte rompia os cânones da estagnação cultural, imposta exatamente pelo forma de vida que os barões da terra estabeleciam. Em Portugal, encolhido num desvão da Europa, a letargia dos seus barões feudais começava a ser perturbada com a azáfama dos portos por onde chegavam e saiam mercadorias, o alvorecer, para os lusitanos, de um tardio mercantilismo. Para aquietar barões insatisfeitos, nada melhor do que a grande terra recém descoberta dividida em gigantescas Capitanias Hereditarias, numa partilha restrita aos escalões da alta nobreza. Assim, quando na Europa morria o feudalismo, no Brasil, Portugal começou a reinventá-lo. O modelo arcaico sobreviveu , venceu os “tenentes” que quiseram mudá-lo em 1930, despejou o radicalismo e a intolerância pelo país, quando Francisco Julião criou as Ligas Camponesas, revelando a desgraça miserável nos massapês dos engenhos pernambucanos; e fez mais ainda pelo retrocesso brasileiro, apressando a chegada do golpe de 64, mas logo colocou-se na defensiva, quando Roberto Campos, ministro do planejamento do general Castelo Branco, traduzindo os interesses das grandes corporações interessadas em ampliar mercados, fez o Estatuto da Terra, um avançado documento, um passo positivo em direção à reforma agrária, tentado pelo regime militar nos seus primórdios, que os senhores da terra logo trataram de engavetá-lo.
Os nossos “terratenientes” nunca perderam a empáfia, a enorme arrogância, e assim atravessaram os séculos, passaram desde a colônia ao império; na República, estão ainda agora, neste século vinte e um, desafiadores, e também assassinos, matando os que ousam enfrentá-los. Não guardam mais qualquer semelhança com aqueles senhores de terras antigos, que se julgavam, da mesma forma que os reis, beneficiados pelos privilégios que a graça divina lhes concedia . Os matadores do Pará que tiraram a vida de ambientalistas, de defensores da floresta, de militantes políticos, são bandidos da pior espécie, grileiros, desmatadores, gente capaz de cometer todos os crimes, desde quando possam ganhar mais dinheiro. Com o pé na terra e o dedo no gatilho, consideram-se ainda hoje invioláveis em seus redutos, onde antes, as autoridades chegavam para lhes prestar reverencias. Sentindo-se cada vez mais isolados como relíquias desprezíveis em plena modernidade, colocaram todas as suas esperanças de sobrevivência no gatilho, que, covardes e traiçoeiros, fazem manejar através de pistoleiros contratados.
Mas o pior de tudo é que eles não estão isolados como se possa imaginar. Continuam conservando muito poder, ainda exercem forte influência, por isso, reincidem, matando, devastando a floresta amazônica, e ainda lhes dão o vergonhoso prêmio de um Código Florestal já aprovado pelos deputados, concedendo anistia a todos os desmatadores. Por esse caminho poderá chegar o dia em que os assassinos também virão a ser anistiados.
Nenhum comentário:
Postar um comentário