terça-feira, 31 de maio de 2011

RETALHOS DE UMA VIAGEM (1) O URSO CALORENTO E O AFFAIR DOMINIQUE


Um urso polar branquinho junta-se aos filhotes e à sua ursa, e todos se aglomeram sobre  pedras à sombra de um alto muro no  Jardim  Zoológico de  Raúna . Protegem-se do calor de dezesseis graus positivos, coisa rara naquelas latitudes extremas, alguns quilômetros abaixo dos sessenta e seis graus e trinta e três minutos, marca do paralelo que delimita o início do círculo polar ártico.  Ainda não é verão na Laponia, mas um sol precoce anda a estimular os finlandeses a anteciparem festivamente a chegada da estação em que o sol, mesmo descambado pelo horizonte, quase nunca desaparece. Por perto da espaçosa residência dos ursos brancos, dormitam quietos ao sol outros ursos marrons, ainda encontrados nas florestas entre a Finlândia e a Rússia. Aproveitam o calor, acumulam energias para hibernarem depois durante o longo tempo do gelo. Há linces também, que cochilam deitados sobre as costas, pernas abertas como querendo que o sol lhes penetre por todo o corpo peludo. O Zoo de Raúna é um dos poucos especializados, que junta toda a fauna escassa do ártico.
 O verão mesmo só começa no dia 22 de junho, quando o solstício de verão fará o sol brilhar a meia noite. Mas os dias já são longos.  O Joulupukki, Papai Noel em finlandês, ainda está em férias primaveris. Retorna ao trabalho dia primeiro de junho, na sua casa quase em cima da linha imaginária do círculo ártico, nas proximidades de Rovaniemi, a pequena capital da extensa Laponia, quase despovoada. São apenas cento e sessenta mil lapões que convivem com duzentas mil renas, bichos importantes. Atraem turistas e têm carne e pele valorizadas. Fazem parte, com destaque, da economia de uma região inóspita que, todavia, exibe uma inigualável qualidade de vida. A carne da rena deve agradar apenas ao finlandês, que se alimenta com uma comida rica, todavia insípida.  Apenas num cardápio assim, desgraciosamente neutro para as papilas, uma carne tão macia quanto destituída de sabor, pode ser considerada atrativa.
 O Jolupukki, (pronuncia-se iôulupuqi) atende no verão e durante todo o inverno. Explica um folheto do Centro Ártico que o Papai Noel, fica ali no topo da terra por uma questão logística: Dalí fica mais fácil descer no seu trenó puxado pelas renas, (ou seriam chifrudos alces?) e fazer seu trabalho natalino, atendendo a toda a criançada do hemisfério norte. Talvez seja por causa dessa logística preferencial que boa parte das crianças do hemisfério sul nem tenha notícia do Joulupukki do norte rico, que os esquece, ou fica longe demais para atendê-los com eficiência.
 No dia que se espicha, há tempo para um roteiro a ser feito bem mais ao norte. Chegando além de Sodankilya, cidade acima do paralelo sessenta e oito, onde o sol da meia noite é mais visível, e também as auroras boreais, numa temporada  que, todavia, só começa a partir de outubro chegando a março. Mas elas, fenômeno de uma luminescência fantasmagórica  iluminando  os céus hibernais sombrios, andam escassas, quase onze anos rareando por falta de intensidade na coroa  do sol, que, em explosões gigantescas, equivalentes a milhões de bombas atômicas, expele uma energia, o chamado vento solar. Nos polos, em contato com a atmosfera, geram o espetáculo de cores cambiantes e movediças. Diz a lenda finlandesa que uma raposa ártica se põe a correr naquelas noites outonais e de inverno, e remexendo a neve com seu rabo peludo, produz fagulhas de luz que se espalham pelos céus, as auroras boreais.
Entrando por Sodankilya começa a estrada do sol da meia noite. Está deserta, é apenas uma rota vicinal, sem acostamento, mas, num canto é possível parar nas meias luas que se formam ao longo da estrada modesta. São vinte e três horas e quarenta minutos. Sopra um vento frio vindo do fundo do ártico, lá das lonjuras da Sibéria. Começou varrendo os campos vastos das tundras, agora se esbate sobre a taiga. É o bóreas.  As árvores imensas, cuneiformes, que formam a floresta característica, a taiga gelada, se curvam e produzem um som que lembra motores de aviões distantes. No horizonte nuvens esparsas e negras encobrem o sol que ainda aparece, e se formam cores que sugerem a presença de bruxas e duendes. Passa pela memória a lembrança de um texto da velha Crestomatia do curso primário, escrito por Jose de Alencar, sobre o entardecer. Mas é um entardecer tropical. Ali, em plena noite, os pássaros cantam, fazem contraponto com o vento numa polifonia estranha que lembra as sinfonias de Sibélius. Aliás, ele, um nórdico, ali se deve ter inspirado. Escurece um pouco mais e, na volta, quase às duas e trinta da madrugada, ressurge o sol, que faz um trajeto estranho, uma espécie de montanha russa pelo horizonte polar.
Em Paris, no que é talvez o mais simpático e acolhedor 3 estrelas da cidade, o Mayflower, bem junto ao Champs Elisées, um porteiro bem falante saúda  brasileiros lembrando o sucesso do presidente Lula. Ele é socialista, diz então, baixinho, para que não chegue aos ouvidos do chefe de direita, eleitor da filha de Le Pen, que a França agora, nessas eleições, vai votar num socialista como aconteceu antes com François Mitterrand, e repete o que dizem nas ruas grupos de manifestantes: Sarkô a la merde. Para ele o escândalo que envolveu o ex-dirigente do FMI, o francês Dominique Strauss Khan, é pura armação de interesses contrariados dos norte americanos e ingleses. Onde já se viu humilhar um homem daquele jeito, algemá-lo como se fosse um bandido? E completa: Dominique é um francês elegante, bonito, rico, acostumado a aventuras extraconjugais que sua mulher tolera, e não iria perder a cabeça diante de uma mulherzinha americana, loirinha, com rostinho bonitinho e corpo de lagartixa. Ainda que fosse uma brasileira afrodescendente, com aquelas ancas bonitas, fazendo voluteios enquanto arrumava a cama do apartamento.

Nenhum comentário:

Postar um comentário