domingo, 10 de abril de 2011

O MASSACRE NO REALENGO



O bairro do Realengo, no Rio de Janeiro, já foi palco de intensos combates no período mais convulso da primeira República. Eram, todavia, enfrentamentos entre militares rebelados e legalistas. Depois disso, o bairro, embora da periferia, caracterizou-se como uma região de vida pacata, que até contrastava com a violência espalhada por toda a cidade. Quinta-feira, dia 7, o Realengo alarmou-se, entrou em pânico e desespero. Um atirador estava matando crianças dentro de uma escola. Coisa inédita no rol da violência brasileira, todavia recorrente nos Estados Unidos, e que já aconteceu na civilizadíssima Europa,. onde até a Alemanha e a frígida e pacífica Finlandia foram palcos de tragédias semelhantes.
Todas as vezes em que sucedem coisas assim, que ultrapassam o descomedimento da estupidez criminosa, logo surgem os que começam a fazer críticas, quase sempre direcionadas à ausência de um aparato de segurança capaz de assegurar tranqüilidade ao cidadão, pronto a agir, tanto nas favelas conturbadas como nas pacíficas escolas, nesses inesperados momentos em que loucos podem invadi-las e assassinar crianças. Nenhum aparelho de segurança, por mais eficiente que seja, conseguiria ocupar todos os espaços e evitar os crimes. Reclama-se da polícia, até mesmo quando divergências ocorridas dentro de casa levam homens a agredirem mulheres. Cada um quer dar uma sugestão, oferecer uma idéia, fazer uma critica. No Congresso, volta-se a tratar de projetos voltados para a segurança pública que, logo depois, voltam a dormir placidamente esquecidos nas gavetas. Até que surja um outro acontecimento violento que ocupe os espaços na mídia.
O Brasil, país do carnaval, terra da cordialidade, da convivência pacífica, da tolerância entre as religiões, da fraternidade das raças, teria todas as condições históricas, sociais, antropológicas, para tornar-se uma terra caracterizada pela reduzida criminalidade. E assim conseguimos ser, até uns quarenta anos atrás, quando a “malandragem carioca” era, tão somente, a boemia um tanto irresponsável, associada a uma certa esperteza que não causava maiores males e passava distante da violência. Já os Estados Unidos que fizeram do rifle um símbolo do “american way of life “ trilharam um caminho radicalmente diverso do processo civilizatório brasileiro. Com o rifle os americanos conquistaram o oeste, exterminaram os índios, ampliaram suas fronteiras, tomaram grande parte do território mexicano. Do começo do século passado até hoje, não se passaram quatro anos sem que os americanos estivessem envolvidos numa guerra ou em algum conflito no exterior. Isso significa dizer que, nesse longo período, nenhum presidente americano completou mandato sem autorizar o disparo dos seus canhões. Obama, prêmio Nobel da Paz, já tem três guerras nas costas. A Constituição americana assegura ao cidadão o direito de portar uma arma, que pode ser comprada em qualquer mercearia da esquina na maioria das cidades. E há em Washington o poderoso lobie das armas, da guerra. No Brasil os Bandeirantes entraram pelos sertões, procurando ouro, pedras, e prendendo ou matando índios, e assim ampliaram as fronteiras. Mas houve Rondon, um militar do exército, que saiu a abrir caminhos a levar o telégrafo pelos ermos mais distantes, e em relação aos índios, baixou, para seus comandados, a instrução: “Matar jamais, morrer se for preciso”. Depois, com a mesma filosofia, vieram os indigenistas que lhe seguiram as pegadas. Por isso os índios sobreviveram.
Este “país do futuro” como o chamou Stefan Zweig, um austríaco que por aqui encantou-se com a sua natureza, com a forma de vida do nosso povo, este país, já antecipou o futuro, mas vem perdendo as características que o diferenciavam. Não temos conseguido, infelizmente, manter intocadas as nossas marcas essenciais como povo. Na India que cresce muito, mas ainda tem mais de duzentos milhões de famintos, quase não há violência urbana, quase não se registram assaltos, roubos, seqüestros, não há quadrilhas invadindo bancos, lojas, vendendo drogas e matando. A India que tem a bomba atômica, que se envolveu desde a independência em muitas guerras, mesmo enfrentando conflitos religiosos e terrorismo, consegue manter a criminalidade tal como a conhecemos aqui, dentro de limites que, para nós, podem parecer impossíveis. A resposta poderá estar na índole pacífica do povo indiano, ( exceto aquela parte contaminada pelo sectarismo religioso) que não foi destruída pela cultura da violência que chega de fora. É exatamente disso que estamos a sofrer. As crianças estão nos computadores manipulando jogos de guerra, um desfile de horrores, onde se chega a exibir heróis vencedores, que a promovem extermínios, queimando cidades, assassinando pessoas. A televisão, o cinema, o rádio, fazem também a sua parte, glorificando uma maneira de vida que destrói valores, que estimula o uso da droga, que, de certa forma, exalta a violência. Há músicas e não só o rap, exaltando o comportamento violento. O carro se torna um instrumento de morte, usado como parte das baladas onde se consume de tudo. Posto de gasolina é transformado em bar e centro de comercialização de droga funcionando noite a dentro. Depois, ao volante, saem muitos, bêbados ou drogados, e matam, ou morrem. A propaganda de bebidas alcoólicas é feita com absoluto descontrole, e os apelos são direcionados para que se passe a idéia de que álcool é associado ao sucesso, à conquista de belas mulheres. Vejam o que fazem de Zeca Pagodinho, e o que estão a fazer com ídolos do futebol e de outros esportes, que deveriam seguir o bom exemplo de Pelé que nunca aceitou fazer propaganda de bebida alcoólica, ou de cigarro, quando era ainda permitida. Essa não é uma conversa de quem já anda entrado nos anos e parece um tanto saudosista ou incapaz de compreender a realidade presente. Há, sem pieguismo religioso ou moralista, uma evidente deformação cultural que nos leva à perda de uma identidade que nos cabe preservar.

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Mais do que tudo, estamos precisando reconstruir uma cultura de paz, e esse é um trabalho que agora nos desafia, se não quisermos continuar macaqueando, desgraçadamente, os exemplos de violência que nos chegam de fora.

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